sábado, 20 de agosto de 2016

contabilidades de fim de férias

fim de férias começa a não significar fim de verão. dramatizo a minha existência estival com uns míseros e indignados 'três dias de praia este ano!' só porque aliadas à minha vida alada estas palavras demonstram a minha tez pálido-castanha em vez do habitual castanho profundo. minto, vamos às estatísticas: uma vez com a A, uma com a T e a R, uma com a I, as já habituais T e R e ainda a M, com jeito duas com o M e a A, outras tantas com os T e hoje, com a minha mãe, a saber a fim de férias. oito dias de curtas horas junto ao mar que não me são suficientes. se o dever ter nascido com asas é verdade, igualmente verdadeiro é este sentimento pró-sereia que não me permite sobreviver demasiado longe do mar. vi o mar, aquele mais a norte do coração, nas holandas e na escócia. vi o mar de mãos dadas com o amor britânico que me tem preenchido os dias e as horas de aeroportos, e soube-me mais ou menos a mar. na escócia vinha armado com vento, um vento a tal ponto que livra a alma de qualquer comichão que esta possa sonhar ter e aí, quase que me soube ao vento aqui no marco geodésico a passos da antiga casa, cheio de lagoa, enguias, galeirões, e uma língua de areia e outra de mar a embalar um sol que se põe mais belo todos os dias. o mar é água em todo o lado, mas só é casa-mãe aqui. nada contra casas-madrastas, uma emigrante como eu e com o coração mal ou bem sempre fora do peito habitua-se a fazer casa em cada canto, com todos os horizontes diferentes para os quais haja espaço. hoje conta como o último dia de férias, arranjado à pressa entre dois aviões, entre um ensaio e outro, entre todas as obras que deveria estar a estudar desenfreada ou todos os mexericos roubados que deveria estar a partilhar com a M. hoje foi um dia último deste verão que soube a primeiro, o primeiro tão longe, o último feito de pensamentos fatais e de um alívio engasgado que ainda não se soube desengasgar a ponto de retomar a normalidade. hoje a fonte do cortiço foi a casa mais bonita onde já entrei, sem o papel de parede e o jardim com que adormeço as ideias, mas com um azul de céu e um verde de mar que só têm par no mais acolhedor dos corações. hoje apreciei a rudeza desta areia e o cheiro a camarinhas e plantas que mais parecem ter lugar no deserto ou no fundo do mar e pude sentir que me despedi da água - até para o ano!

sábado, 7 de maio de 2016

tem a certeza? olhe desculpe deve ser engano

até em português me faltam as palavras

o que é isto, amor
que dormências flutuantes são estas, amor
que frivolidade a do mundo inteiro, amor
que frivolidade premente essa de girar ainda, amor
uma duas três quatro, amor
quatro conjuntos de sete, amor
sete a girar, rodopiantes, certos, amor
dias, tempo e temperatura variáveis, amor
esta urgência de escrever agora porquê, amor
os pontos finais são vírgulas, amor
os pontos iniciais são música, amor
os pontos finais finais não parecem passíveis de existir, amor
toda a gente sabe que os princípios são sempre assim, amor
mas as certezas minhas também me mentem, amor
disseram-me quase trinta e com mais gatos, amor
imaginas isso agora, amor, podes sequer?

conhecer-me de fora para dentro
ser-me casa, abrigo, força
contar-me pelos dedos das mãos tuas
enlear-me nestes nesses nistos

o que é isto? amor.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

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escrever e apagar

queimar por dentro, enrubescer
ruborizar-me inteira de dentro para fora

perder os sentidos um a um,
o equilíbrio, os equilíbrios todos sem radar

querer descobrir-te letra a letra
os fios os pavios os navios

enlear-me sem me deixar sequer tocar
como pode estar isto a acontecer assim?

as incredulidades não dolentes
dormentes não dolentes
vivas cruas quentes

se ser marioneta é isto
viver esta peça eterna
de quem se começa e não acaba

venha ela. venhas tu. amanhã.

sábado, 12 de março de 2016

o medo da parede branca

o medo inquisidor da cor branca
uma não-cor que engloba as cores de todas as letras que me ficam entaladas
o lobo antunes escreveu uma vez que tinha um certo medo da página em branco, mas que até então tinha tido a sorte de a mão e a caneta não o terem e acabarem por a preencher

não é que pense menos poeta que antes
ou menos ainda que me compare a ele

é só que os enleios das ideias tendem agora para se enrolar sobre si mesmos
entopem-me completamente, as palavras engasgam-se nas suas próprias ligações, e uma pessoa 
[quem, eu?]
uma pessoa vai andando e olha
de repente é março e não escrevi ponta desde outubro

se calhar foi-se

os amores e desamores que me inspiravam morreram
outros ainda mal chegaram a nascer
e um outro medo, esse sim, maior
acaba por me entupir de tal modo que o nó na garganta
um me impede de cantar
dois pelos vistos também me impede de escrever

sem esses dois não sou.

é só que tenho saudades de escrever


aos poucos. talvez me consiga ensinar de novo a fluir, e não tema esta insegurança do escrevereapagar. talvez faça parte. talvez reaprenda a amar. talvez não tenha tanto medo da morte. talvez entenda que cantar ainda me faz feliz. talvez. talvez.

domingo, 18 de outubro de 2015

um pudor inanimado

mas premente
presente

um pudor intrínseco e inerte
nunca activo
mas deteriorante

nunca velho
nunca impaciente

um pudor parasita
mas vizinho

um pudor de estimação.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

sexta-feira, 10 de julho de 2015

minúscula

as palavras são a única coisa que não me falha
por mais que divague do amor fraterno
nada me falha menos que as palavras
pudesse eu e casava-me com elas já
sim, se é eterno caso-me com a arte intrínseca já hoje
e não há mais com o que me arreliar
as palavras são performances
mitos e verdades simultâneas
shows de uma só personagem
ainda assim não solitárias
incoerentes inconstantes impossíveis
mas ainda assim são as que menos me falham, elas
uno puro e incondicional
só mesmo este da arte
só mesmo esta poligamia desmedida
de amar as palavras por igual
dando-lhes a justeza que não encontro para mim